sexta-feira, 27 de julho de 2007

Walter Sebastião (jornalista) Jornal Estado de Minas

NO SUBMUNDO DE BELO HORIZONTE

“Um Esqueleto no Armário”, romance de estréia de André Rubião, de 24 anos, tem uma cara singular entre os livros produzidos recentemente em Belo Horizonte. Especialmente no que se refere à imagem da cidade que apresenta: não é capital política de Minas Gerais, com seus ternos e discursos formais; nem o lugar educado pelo modernismo, contido e prudente em palavras e atos. Ou, ainda, terra que integra mineiros de todas as origens, rica em culturas regionais. O que aparece no livro é a metrópole consumidora voraz de drogas, tentada pela loucura, a violência, a angústia.

Dando tradução a essa observação, o escritor põe em cena “a turma da praça ABC”, jovens hippies que, sem perceber o ocaso dos sonhos, afundam no pesadelo dos barbitúricos, da cocaína e de uma vida desregrada. Alguns deles: H, um bissexual que gosta de viver perigosamente; Menininha, um homossexual de formação clássica e ligado às vanguardas; Gorda, uma mulher chique, elegante, rica, cujo lema é “faça tudo já”; Jack, um pintor ligado ao glamour e às últimas novidades da moda internacional; Colombiano, um traficante boa praça, que conhece bem todo mundo; Fuinha, um músico rebelde, fã das canções de Lou Reed. Desnecessário dizer: a fauna da Zona Sul da cidade.

“Fantasiei um pouco, mas a maioria dos personagens existiram e as situações são verdadeiras”, explica André Rubião, lembrando que o livro foi construído a partir de entrevistas, viagens, relatos ouvidos pessoalmente, pesquisas. O autor esclarece que não gostava de ler e só aos 18 anos, depois de uma temporada nos Estados Unidos, morando sozinho, com tempo para refletir, “descobriu a literatura”. E foi lendo Rimbaud, Baudelaire, Alan Poe, Oscar Wilde, que afastou a péssima imagem que tinha do trabalho dos escritores, vinda da escola, e passou a cultivar o desejo de escrever um livro.

PANO DE FUNDO
Um concurso, cujo tema era”exemplos de vida”, incentivou André Rubião a por às mãos a obra. Na falta de um motivo, deu vazão a um antigo interesse pela vida do tio, o cabeleireiro Humberto Resende, devido “ao jeito desvairado, à loucura de viver a vida de modo extremado, sempre no limite”. Ganhou um prêmio e, empolgado, resolveu aprimorar o texto. Outro pano de fundo que motivou a história é o fascínio do autor pela contracultura dos anos 70: “Quis retratar os meus ídolos, esta vida de sexo, drogas e rock ‘n’ roll que sempre admirei”, conta, dizendo que quis confrontar o ambiente dos anos 40 e 50 com o que se estabelece no final dos anos 60.

“É uma geração que foi o canto de cisne do romantismo. Originalmente, eles eram muito idealistas, mas depois forma se perdendo numa utopia nonsense”, explica o escritor, fazendo diferença entre um momento “LSD e maconha” e outro “cocaína e vida junkie”. Não esconde que dar forma a tudo que ouviu foi um trabalho complicado, motivo até de algumas brigas, “até porque o personagem principal vivo, e sendo amigo dele, eu tinha de ter um certo respeito”. Fontes de polêmica forma as opiniões relativas ao culto do Daime, visto, pessoalmente com respeito, mas também com ceticismo.

Um aspecto importante de Um Esqueleto no Armário é a atenção da turma dos 20 anos para as historias da turma dos 40/50 anos. A surpreendente isenção que tem a narrativa, que não faz apologia mas também não julga os personagens, tem uma explicação: “Queria ser imparcial, mostrar o lado bom e o ruim. Não podemos servir de exemplo a ninguém, mas podemos servir de lição de vida”, completa o escritor, citando Mário de Andrade. O livro contou com ajuda de muitos: orelha escrita pelo jornalista Humberto Werneck; ilustrações de Marco Túlio Resende; texto da contracapa de Ronaldo Brandão. É ler para crer até no inacreditável.

OPINIÕES DO ESCRITOR

Literatura em BH
Sou apaixonado pelas gerações de Carlos Drummond e Fernando Sabino, mas li mesmo literatura internacional. Estou em busca de uma geração para mim. Quero fazer um livro de contos reunindo o pessoal mais jovem. Gosto dessa coisa de turma, com um ideal e uma identidade.

Autores
Escrevia de forma melosa, lírica. Depois de ler OEstrangeiro, de Albert Camus, fiz opção por uma prosa mais seca. Acho que, hoje, a literatura tem que ser mais objetiva, sem que isso signifique perder seus valores artísticos. Acho Oscar Wilde um gênio, adoro a forma como ele passa a vida no que escreve.

Belo Horizonte
Vou plagiar o artista plástico Marco Túlio Resende. Tenho uma relação de amor e ódio com a cidade. Amor pelo jeito acolhedor do mineiro; ódio pelo medo de ser grande, da cidade ou das pessoas.

Juventude
É sinônimo de ansiedade e de descoberta. Vem a vontade de conquistar o mundo, mas você vai crescendo e descobre que o mundo ninguém conquista.

Sexo, drogas e rock ‘n’ roll
Tem um lado muito sedutor, glamouroso, e, ao mesmo tempo, um lado terrível, assustador. Se a pessoa não encontra um meio termo, pode ser perigoso.

Brasil
Sinto o mesmo que sinto em relação a Minas Gerais: amor e ódio. Tenho morado fora, vejo o país com muita desilusão. Tem o fardo do colonialismo, as diferenças sociais muito grandes etc. E, ao mesmo tempo, tem um lado maravilhoso, uma raça única no mundo.

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