sexta-feira, 27 de julho de 2007

Humberto Werneck (jornalista e escritor) Prefácio do livro

Ninguém é Rubião impunemente, pensei eu quando me chegou o primeiro e-mail daquele garoto de Belo Horizonte. Queria saber se eu leria uns trechos de seu primeiro romance, em preparo, e se apresentava: sobrinho-neto de Murilo Rubião. Já aí me ganhou, ao invocar meu querido Murilo, que não apenas teve a paciência de ler os contos dos meus 20 anos, lá na Idade Média (1965,1966), como me carregou para trabalhar com ele no Suplemento Literário do Minas Gerais, no que foi uma das duas ou três chances realmente decisivas que o destino Poe em nosso caminho ao longo da vida.

Em seguida André me ganharia com os nacos de seu romance, que ia pingando na caixa postal de meu computador. Ali estava, nítido, um escritor, por fim confirmado quando, ao cabo de sofrida e furiosa escreveção, veio a versão definitiva de Um Esqueleto no Armário. Há neste livro, antes de mais nada, uma boa história, desfiada a partir de um personagem tão fascinante quanto surpreendente. O vertiginoso carretel literário, ficcional ma non troppo, que André Rubião nos propõe desenrolar é uma viagem pelos desvãos da marginalidade em que serpenteia o insubmisso H, e suas escalas nos abismos da droga e do sexo. E há também, como vívido pano de fundo, uma outra história, a de Belo Horizonte, que leitor vê crescer no fio de algumas décadas. Pena que Murilo não esteja aqui para assistir ao desembarque do novo Rubião da praça.

Ronaldo Brandão (jornalista)

Tantos anos depois de O Encontro Marcado, a grata surpresa de um "romance de geração". O que torna interessante, e mesmo fascinante, este livro de estréia de André Rubião não é tanto o resgate de uma época, de um espaço e de personagens culturais que ele efetivamente não conheceu, mas o empenho sincero, o élan com que ele os recontrói.

Alberto Vilas (jornalista e escritor) Globo.com



UM ESQUELETO NO ARMÁRIO

A nova Livraria da Travessa, na Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, virou um vício. Todo santo sábado, faça sol ou faça chuva, quando estou na Cidade Maravilhosa, lá estou eu plantado esperando que ela se abra. Bastam dois passos para sentir aquele perfume dos livros novos. Aquilo ali é um mundo maravilhoso. Toda vez que vou lá me sinto um pouco exilado desse mundo violento aqui de fora. São milhares de livros e discos e um café, como dizem os gourmets, honestíssimo.

Num desses sábados, entrei na Livraria da Travessa em busca de novidades. Não queria coisas do tipo Luna Clara e Apolo Nove, de Adriana Falcão. Um livro lindo que reservei para ler em doses homeopáticas com as crianças, de noite na cama. Depois de passar os olhos pelos Ritos de Passagem, de Willian Golding, pelo Bando de Kelly, de Peter Carey e pela Colméia, de Camilo José Cela, parei os olhos sobre uma curiosidade: Um Esqueleto no Armário, de André Rubião. O que me chamou a atenção? O nome do livro? Sim. Adoro nome de livros. Outro dia descobri um que se chama Quando o bombeiro chegou o incêndio já havia terminado. Mas o que me chamou mesmo a atenção foi o sobrenome do André. Pensei com meus botões. Será irmão do Murilo? Filho? Neto?

Seria o André o verdadeiro ex-mágico? Ou o pirotécnico Zacarias? Do Murilo gosto desde os tempos do saudoso Suplemento Literário de Minas Gerais. Será que vou gostar do tal André? Me arvorei a devorar a orelha do livro ainda na Livraria. Assinada por Humberto Werneck, tinha ali a primeira pista. O tal Rubião certamente era mineiro como nós. Então descobri no sempre delicioso texto do Humberto que o tal Rubião era sobrinho-neto de Murilo. Não tinha erro, o livro estava no papo.

Mesmo sem ter lido nada sobre a obra, resolvi levá-la para casa. Li de um gole só. Vou muito pouco a Belo Horizonte, o que lamento todos os dias. Desde que fugi de lá no início dos anos 70, sinto saudades. E mato essa saudade lendo suas histórias, reais e irreais. Gostei de encontrar no texto do André referências tão longe e tão frescas da minha cidade. A turma da Praça ABC, por exemplo, há décadas não passava pela minha cabeça.

Não vou contar o início, o fim, nem o meio do livro. Há muito tempo não lia um texto tão enxuto e saboroso. Quando li na orelha do Esqueleto no Armário que André Rubião tinha apenas 24 anos, fiquei curioso em saber onde foi encontrar tantas referências dos anos hippie, por exemplo, para escrever o seu livro. Como foi possível escrever um livro com tanto sexo, drogas e rock ‘n’ roll com tão pouca idade. E com um texto tão brilhante. Durante dois dias ele ficou na minha cabeça. Foi aí então que resolvi disparar um e-mail rumo ao novo escritor para saber, afinal, quem era ele. Fui assim, curto e grosso mesmo: quem é você? A resposta foi quase imediata. Imaginei que viera de Belo Horizonte. “Você quer dez linhas tipo currículo ou dez linhas existenciais?” Preferi as existenciais e a resposta chegou alguns dias depois, lá de uma cidadezinha do interior da França, onde o André está fazendo mestrado em Filosofia do Direito. Como e-mails enganam a gente, não é mesmo? Sem envelope, selo ou carimbo, a gente nunca sabe de onde vem.

O sobrinho-neto de Murilo Rubião me mandou um longo texto que vou resumir aqui em dez linhas.

1 - Uma coisa interessante na minha vida é que nunca gostei de ler.
2 - Foi somente aos 18 anos, depois de uma temporada nos EUA, que andei me embriagando de Wilde, Ginsberg, Baudelaire, Rimbaud...
3 - A primeira vez que li Rimbaud não entendi nada.
4 - Eu adoro a idéia do meu tio aparecendo na Terra.
5 - A minha primeira influência foi o filme Os Bons Companheiros, de Scorcese.
6 - Queria ter vivido aquela loucura dos anos 70.
7 - Sou o começo, o fim, o nada... como dizia Raul Seixas.
8 - A literatura passou a ser uma fobia.
9 - Descobri que além de Morrison, Joplin, Hendrix, Jones, havia outras overdoses no ar.
10 - Sou um joven cheio de idéias, de vontade, de esperança.

Senhoras e senhores, este é o novo Rubião da praça. Muito prazer!

Rodrigo Giordani (jornalista) Jornal do Brasil

ANOS LOUCOS EM BELO HORIZONTE

“Um esqueleto no armário”, de André Rubião, mergulha no fascinante, mas ao mesmo tempo perverso e abjeto triangulo sexo, drogas e rock ‘n’ roll – mais no segundo que nos outros dois. O ano é 1967 e o personagem principal, então com apenas 11 anos de idade. Claro que esta maioridade precoce se acelera depois de uma experiência traumática, daquelas que marcam a vida de qualquer criança. Mas, afinal, é a historia do sonho e do pesadelo de uma geração, mais do que outra tragédia de um viciado que André, sobrinho-neto do jornalista e escritor Murilo Rubião, esmiúça em 139 páginas.

Lançado em 2001, graças à lei mineira de incentivo à cultura, o livro não é definitivamente uma ficção. “Diria que no máximo 20% do que eu conto não ocorreram de fato”, diz o jovem escritor de 25 anos. A historia do “insubmisso H”, o protagonista, com lembra Humberto Werneck na orelha, é baseada em fatos ocorridos com pessoas da convivência próxima de Rubião e, mesmo que não fosse, poderia ser a história de vida de muitos garotos dos anos 60 e 70.

Personagem real, H, aliás, como quase todos os citados, com pseudônimo ou nomes trocados, alcança o éden, o purgatório e o inferno. Nesta longa e às vezes tenebrosa viagem, as drogas, das mais leves às mais pesadas, como os ácidos e a cocaína, são o fio condutor que leva H direto para o abismo. Paralelamente à história de H, André Rubião conta a história de Belo Horizonte, cenário das primeiras descobertas do protagonista. Esta é, aliás, uma característica comum aos chamados “romances de geração”, se bem que o livro de Rubião não o seja: situar no espaço além de situar no tempo.

É da praça ABC, das ruas da Savassi, que H e seus amigos acompanham as novidades do mundo no final dos 60. E que novidades: LSD, contracultura de San Francisco, movimento hippie, Easy rider, Janis Joplin, moda Glam. E é na praça ABC que eles vivem, que experimentam ácidos, o visual psicodélico com suas cores, roupas e penteados extravagantes. Um esqueleto poderia ser visto, neste sentido, como uma continuação de O encontro marcado, de Fernando Sabino, e Hilda Furacão, de Roberto Drummond. Com os três títulos, tem-se uma verdadeira trilogia dos anos loucos da capital mineira.

Além de não se prender somente aos fatos, Um esqueleto usa e abusa, como observa o autor, da linguagem cinematográfica. “Me inspirei em Os bons companheiros, de Scorcese”, diz Rubião.

Um esqueleto no armário deve agradar também às novas gerações, que não viveram a maioria dos fatos ali descritos e conhecem alguns personagens apenas de forma superficial.

Walter Sebastião (jornalista) Jornal Estado de Minas

NO SUBMUNDO DE BELO HORIZONTE

“Um Esqueleto no Armário”, romance de estréia de André Rubião, de 24 anos, tem uma cara singular entre os livros produzidos recentemente em Belo Horizonte. Especialmente no que se refere à imagem da cidade que apresenta: não é capital política de Minas Gerais, com seus ternos e discursos formais; nem o lugar educado pelo modernismo, contido e prudente em palavras e atos. Ou, ainda, terra que integra mineiros de todas as origens, rica em culturas regionais. O que aparece no livro é a metrópole consumidora voraz de drogas, tentada pela loucura, a violência, a angústia.

Dando tradução a essa observação, o escritor põe em cena “a turma da praça ABC”, jovens hippies que, sem perceber o ocaso dos sonhos, afundam no pesadelo dos barbitúricos, da cocaína e de uma vida desregrada. Alguns deles: H, um bissexual que gosta de viver perigosamente; Menininha, um homossexual de formação clássica e ligado às vanguardas; Gorda, uma mulher chique, elegante, rica, cujo lema é “faça tudo já”; Jack, um pintor ligado ao glamour e às últimas novidades da moda internacional; Colombiano, um traficante boa praça, que conhece bem todo mundo; Fuinha, um músico rebelde, fã das canções de Lou Reed. Desnecessário dizer: a fauna da Zona Sul da cidade.

“Fantasiei um pouco, mas a maioria dos personagens existiram e as situações são verdadeiras”, explica André Rubião, lembrando que o livro foi construído a partir de entrevistas, viagens, relatos ouvidos pessoalmente, pesquisas. O autor esclarece que não gostava de ler e só aos 18 anos, depois de uma temporada nos Estados Unidos, morando sozinho, com tempo para refletir, “descobriu a literatura”. E foi lendo Rimbaud, Baudelaire, Alan Poe, Oscar Wilde, que afastou a péssima imagem que tinha do trabalho dos escritores, vinda da escola, e passou a cultivar o desejo de escrever um livro.

PANO DE FUNDO
Um concurso, cujo tema era”exemplos de vida”, incentivou André Rubião a por às mãos a obra. Na falta de um motivo, deu vazão a um antigo interesse pela vida do tio, o cabeleireiro Humberto Resende, devido “ao jeito desvairado, à loucura de viver a vida de modo extremado, sempre no limite”. Ganhou um prêmio e, empolgado, resolveu aprimorar o texto. Outro pano de fundo que motivou a história é o fascínio do autor pela contracultura dos anos 70: “Quis retratar os meus ídolos, esta vida de sexo, drogas e rock ‘n’ roll que sempre admirei”, conta, dizendo que quis confrontar o ambiente dos anos 40 e 50 com o que se estabelece no final dos anos 60.

“É uma geração que foi o canto de cisne do romantismo. Originalmente, eles eram muito idealistas, mas depois forma se perdendo numa utopia nonsense”, explica o escritor, fazendo diferença entre um momento “LSD e maconha” e outro “cocaína e vida junkie”. Não esconde que dar forma a tudo que ouviu foi um trabalho complicado, motivo até de algumas brigas, “até porque o personagem principal vivo, e sendo amigo dele, eu tinha de ter um certo respeito”. Fontes de polêmica forma as opiniões relativas ao culto do Daime, visto, pessoalmente com respeito, mas também com ceticismo.

Um aspecto importante de Um Esqueleto no Armário é a atenção da turma dos 20 anos para as historias da turma dos 40/50 anos. A surpreendente isenção que tem a narrativa, que não faz apologia mas também não julga os personagens, tem uma explicação: “Queria ser imparcial, mostrar o lado bom e o ruim. Não podemos servir de exemplo a ninguém, mas podemos servir de lição de vida”, completa o escritor, citando Mário de Andrade. O livro contou com ajuda de muitos: orelha escrita pelo jornalista Humberto Werneck; ilustrações de Marco Túlio Resende; texto da contracapa de Ronaldo Brandão. É ler para crer até no inacreditável.

OPINIÕES DO ESCRITOR

Literatura em BH
Sou apaixonado pelas gerações de Carlos Drummond e Fernando Sabino, mas li mesmo literatura internacional. Estou em busca de uma geração para mim. Quero fazer um livro de contos reunindo o pessoal mais jovem. Gosto dessa coisa de turma, com um ideal e uma identidade.

Autores
Escrevia de forma melosa, lírica. Depois de ler OEstrangeiro, de Albert Camus, fiz opção por uma prosa mais seca. Acho que, hoje, a literatura tem que ser mais objetiva, sem que isso signifique perder seus valores artísticos. Acho Oscar Wilde um gênio, adoro a forma como ele passa a vida no que escreve.

Belo Horizonte
Vou plagiar o artista plástico Marco Túlio Resende. Tenho uma relação de amor e ódio com a cidade. Amor pelo jeito acolhedor do mineiro; ódio pelo medo de ser grande, da cidade ou das pessoas.

Juventude
É sinônimo de ansiedade e de descoberta. Vem a vontade de conquistar o mundo, mas você vai crescendo e descobre que o mundo ninguém conquista.

Sexo, drogas e rock ‘n’ roll
Tem um lado muito sedutor, glamouroso, e, ao mesmo tempo, um lado terrível, assustador. Se a pessoa não encontra um meio termo, pode ser perigoso.

Brasil
Sinto o mesmo que sinto em relação a Minas Gerais: amor e ódio. Tenho morado fora, vejo o país com muita desilusão. Tem o fardo do colonialismo, as diferenças sociais muito grandes etc. E, ao mesmo tempo, tem um lado maravilhoso, uma raça única no mundo.

Alécio Cunha (jornalista, crítico literário) Jornal Hoje em Dia



OBRA DE ESTREIA TEM PANORAMA COMPORTAMENTAL DE BH


A paixão pela literatura pulsa no caminho do escritor André Rubião, belo-horizontino de 24 anos. Assim como bateu forte no coração do seu tio-avô, o escritor mineiro Murilo Rubião (1916-1991), introdutor do realismo fantástico no Brasil.

Apesar das coincidências genéticas no lançamento de sua primeira obra, a família foi elemento primordial em sua construção. “O livro é 70% real, 30% ficcional”, explica André Rubião. H, o protagonista, é inspirado em outro tio do autor, o cabeleireiro Humberto Resende. “A sua historia merecia o formato de um livro”, garante o escritor. A obra desnuda o comportamento de uma geração de jovens em BH, dos “amaconhados” e hippies dos anos 60 até a presença da cocaína na década de 80.

Confira, a seguir, mais detalhes do processo de concepção literária de André Rubião.

A literatura de seu avô o inspirou de alguma forma?
Não. Tive muito pouco contato com ele. Minha mãe, Silvia, o conhecia melhor. Ela tornou-se a detentora dos seus direitos autorais. Quando ele morreu, eu tinha 13 anos. Ele era uma pessoa muito fechada. Eu preciso contar um pouco da minha história com a literatura. Eu nunca gostei de ler até os meus 17, 18 anos. Tinha aversão à literatura. Meus paradigmas e referências não eram necessariamente leituras, mas música, muito rock ‘n’ roll. Depois a leitura se tornou uma coisa obsessiva. Eu fui para os Estados Unidos e baixou aquela solidão. Acabei lendo muita coisa. Muito do que li usei nas epígrafes do meu livro. Chegaram a me dizer que aquilo era uma muleta, mas eu tinha de colocá-las porque elas estavam ligadas à minha história.

Por que utilizou a vida de seu tio como pretexto para o livro?
Eu havia decidido que ia escrever um livro. Fui para Europa e fiquei lá uns seis meses de mochila nas costas, buscando idéias para um livro. Quando voltei a Belo horizonte fui a uma rave do Marcelo Marent e vi que aquele meu tio doidão poderia dar um livro. Ele adorou a idéia e me apoiou muito. 70% do livro é real, os outros 30% são ficção. Ele me contava uma história e eu criava em cima do fato. Deixei de fora muita coisa porque a história é pesada. Muitas pessoas me apoiaram, como o Humberto Werneck, que acompanhou as várias versões do livro, que demorou três anos para ficar pronto. Ronaldo Brandão também deu muitos palpites e chegou a aparecer como personagem em uma cena que ele recita um poema do Charles Baudelaire. Aquilo não aconteceu com o Humberto, mas comigo.

Você define o seu livro como realista. Mas que tipo de realismo?
É um realismo mais seco, cinematográfico. Tem muita influencia do cinema no que escrevo. Eu começo o livro com uma passagem que vai se repetir lá na dentro, assim como o Martin Scorcese fez em “Os Bons Companheiros”. Escrever, para mim, não é fácil. É muito doloroso. Só escrevo à noite, de meia-noite às seis da manhã. A parte final do livro eu reconheço que não ficou no mesmo nível do restante, e foi a que me deu mais trabalho. Eu não queria fazer uma apologia do Santo Daime, assim como, em todo livro, eu não queria uma visão moralista das drogas, mostrando que elas foram importantes no contexto de uma geração, mas foram também perigosas. Eu pesquisei muito. Li jornais de época, fui ao Arquivo Público. Sem contar as muitas entrevistas com quem viveu naquela época.


ESQUELETO NO ARMÁRIO É ROMANCE DE GERAÇÃO

“Um esqueleto no Armário”, estréia literária de André Rubião, é um incrível romance de geração. E olhem que o contexto geracional a que a obra se refere não é o do autor. Fruto da arguta observação do mais jovem Rubião, de sua sensibilidade quase intuitiva, o romance destaca-se, sobretudo, pela formação das idéias e pela força da linguagem, coesa, hábil, substantiva.

Os capítulos são curtos e despem a prosa cinematográfica de André. H, seu protagonista, comove os leitores na medida exata. Seu drama é narrado sem subterfúgios. Não existem meio termos: a crueza chega a assustar, mas é vital à reflexão dos leitores. A engrenagem utilizada pelo autor, mesclando o tom ficcional à melodia do real, poderia soar como armadilha. No entanto nada disso acontece.

Mais do que contar a saga de H, Déia Gorda, Cebola, Juca Bala, “Um Esqueleto no Armário” tem o (bom) dom de colocar Belo Horizonte como protagonista de boa parte das estripulias dos personagens do livro. Não é bairrismo, mas sim a sutileza de distribuir, os temas existenciais da solidão e das crises humanas em seus mais variados níveis. E, sobretudo, revelar que a dor é universal.

André Rubião dedilha questões sutis como a homossexualidade. Através de H, amar os homens é uma forma legítima de afeto. Driblando o preconceito, o autor cria momentos de lirismo para falar sobre o muitas vezes indizível. Sem culpa ou pudor.

“Um Esqueleto no Armário” possui alguns problemas infra-estruturais que o autor, certamente, conseguirá se livras em livros futuros. A quebra do ritmo narrativo é um destes deslizes, principalmente na parte final do texto, que mostra a volta por cima de H., sua descoberta do Santo Daime e sua viagem à Amazônia. Ao contrário dos capítulos iniciais, aqui, Rubião não consegue demonstrar as mesmas segurança e fluidez, parece te se perdido em um oceano de dúvidas, uma precoce procura por ilações, aquele momento perigoso em que, na dúvida, não vale ultrapassar.

A nítida influência da gramática fílmica na concepção do romance de Rubião é sentida logo no começo da história. Os leitores são brindados com uma overdose de cocaína do protagonista H, agredindo médicos e enfermeiros no saguão de um hospital enquanto aguarda uma injeção soporífica cavalar, a famosa “sossega-leão”. O ritmo é cinematográfico. André Rubião usa e abusa da montagem, brincando com as dobradiças articuláveis do tempo, abrindo e fechando portas e janelas, colocando o texto e H aonde o autor quiser. O resultado é uma trama nervosa, narcotizante, anos-luz da monotonia, gerando um clima contínuo de tensão.