sexta-feira, 27 de julho de 2007

Alécio Cunha (jornalista, crítico literário) Jornal Hoje em Dia



OBRA DE ESTREIA TEM PANORAMA COMPORTAMENTAL DE BH


A paixão pela literatura pulsa no caminho do escritor André Rubião, belo-horizontino de 24 anos. Assim como bateu forte no coração do seu tio-avô, o escritor mineiro Murilo Rubião (1916-1991), introdutor do realismo fantástico no Brasil.

Apesar das coincidências genéticas no lançamento de sua primeira obra, a família foi elemento primordial em sua construção. “O livro é 70% real, 30% ficcional”, explica André Rubião. H, o protagonista, é inspirado em outro tio do autor, o cabeleireiro Humberto Resende. “A sua historia merecia o formato de um livro”, garante o escritor. A obra desnuda o comportamento de uma geração de jovens em BH, dos “amaconhados” e hippies dos anos 60 até a presença da cocaína na década de 80.

Confira, a seguir, mais detalhes do processo de concepção literária de André Rubião.

A literatura de seu avô o inspirou de alguma forma?
Não. Tive muito pouco contato com ele. Minha mãe, Silvia, o conhecia melhor. Ela tornou-se a detentora dos seus direitos autorais. Quando ele morreu, eu tinha 13 anos. Ele era uma pessoa muito fechada. Eu preciso contar um pouco da minha história com a literatura. Eu nunca gostei de ler até os meus 17, 18 anos. Tinha aversão à literatura. Meus paradigmas e referências não eram necessariamente leituras, mas música, muito rock ‘n’ roll. Depois a leitura se tornou uma coisa obsessiva. Eu fui para os Estados Unidos e baixou aquela solidão. Acabei lendo muita coisa. Muito do que li usei nas epígrafes do meu livro. Chegaram a me dizer que aquilo era uma muleta, mas eu tinha de colocá-las porque elas estavam ligadas à minha história.

Por que utilizou a vida de seu tio como pretexto para o livro?
Eu havia decidido que ia escrever um livro. Fui para Europa e fiquei lá uns seis meses de mochila nas costas, buscando idéias para um livro. Quando voltei a Belo horizonte fui a uma rave do Marcelo Marent e vi que aquele meu tio doidão poderia dar um livro. Ele adorou a idéia e me apoiou muito. 70% do livro é real, os outros 30% são ficção. Ele me contava uma história e eu criava em cima do fato. Deixei de fora muita coisa porque a história é pesada. Muitas pessoas me apoiaram, como o Humberto Werneck, que acompanhou as várias versões do livro, que demorou três anos para ficar pronto. Ronaldo Brandão também deu muitos palpites e chegou a aparecer como personagem em uma cena que ele recita um poema do Charles Baudelaire. Aquilo não aconteceu com o Humberto, mas comigo.

Você define o seu livro como realista. Mas que tipo de realismo?
É um realismo mais seco, cinematográfico. Tem muita influencia do cinema no que escrevo. Eu começo o livro com uma passagem que vai se repetir lá na dentro, assim como o Martin Scorcese fez em “Os Bons Companheiros”. Escrever, para mim, não é fácil. É muito doloroso. Só escrevo à noite, de meia-noite às seis da manhã. A parte final do livro eu reconheço que não ficou no mesmo nível do restante, e foi a que me deu mais trabalho. Eu não queria fazer uma apologia do Santo Daime, assim como, em todo livro, eu não queria uma visão moralista das drogas, mostrando que elas foram importantes no contexto de uma geração, mas foram também perigosas. Eu pesquisei muito. Li jornais de época, fui ao Arquivo Público. Sem contar as muitas entrevistas com quem viveu naquela época.


ESQUELETO NO ARMÁRIO É ROMANCE DE GERAÇÃO

“Um esqueleto no Armário”, estréia literária de André Rubião, é um incrível romance de geração. E olhem que o contexto geracional a que a obra se refere não é o do autor. Fruto da arguta observação do mais jovem Rubião, de sua sensibilidade quase intuitiva, o romance destaca-se, sobretudo, pela formação das idéias e pela força da linguagem, coesa, hábil, substantiva.

Os capítulos são curtos e despem a prosa cinematográfica de André. H, seu protagonista, comove os leitores na medida exata. Seu drama é narrado sem subterfúgios. Não existem meio termos: a crueza chega a assustar, mas é vital à reflexão dos leitores. A engrenagem utilizada pelo autor, mesclando o tom ficcional à melodia do real, poderia soar como armadilha. No entanto nada disso acontece.

Mais do que contar a saga de H, Déia Gorda, Cebola, Juca Bala, “Um Esqueleto no Armário” tem o (bom) dom de colocar Belo Horizonte como protagonista de boa parte das estripulias dos personagens do livro. Não é bairrismo, mas sim a sutileza de distribuir, os temas existenciais da solidão e das crises humanas em seus mais variados níveis. E, sobretudo, revelar que a dor é universal.

André Rubião dedilha questões sutis como a homossexualidade. Através de H, amar os homens é uma forma legítima de afeto. Driblando o preconceito, o autor cria momentos de lirismo para falar sobre o muitas vezes indizível. Sem culpa ou pudor.

“Um Esqueleto no Armário” possui alguns problemas infra-estruturais que o autor, certamente, conseguirá se livras em livros futuros. A quebra do ritmo narrativo é um destes deslizes, principalmente na parte final do texto, que mostra a volta por cima de H., sua descoberta do Santo Daime e sua viagem à Amazônia. Ao contrário dos capítulos iniciais, aqui, Rubião não consegue demonstrar as mesmas segurança e fluidez, parece te se perdido em um oceano de dúvidas, uma precoce procura por ilações, aquele momento perigoso em que, na dúvida, não vale ultrapassar.

A nítida influência da gramática fílmica na concepção do romance de Rubião é sentida logo no começo da história. Os leitores são brindados com uma overdose de cocaína do protagonista H, agredindo médicos e enfermeiros no saguão de um hospital enquanto aguarda uma injeção soporífica cavalar, a famosa “sossega-leão”. O ritmo é cinematográfico. André Rubião usa e abusa da montagem, brincando com as dobradiças articuláveis do tempo, abrindo e fechando portas e janelas, colocando o texto e H aonde o autor quiser. O resultado é uma trama nervosa, narcotizante, anos-luz da monotonia, gerando um clima contínuo de tensão.

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